O seminário de São Nicolau

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O seminário de São Nicolau foi instituído por decreto de 3 de Setembro de
1866 e nele veio a ensinar o célebre monsenhor António José de Oliveira Bouças,
autor dos Almanaques Luso Africanos e da revista cultural A Esperança. Homem de
extraordinárias qualidades humanas e pedagógicas, ainda hoje é objeto de uma enorme
devoção na ilha de São Nicolau, sendo-lhe dedicado o jardim junto da câmara da Ribeira Brava e preservando-se, impecavelmente, a sua sepultura.

O arquipélago de Cabo Verde atravessava então uma grave crise e a fome de 1864 dizimou população em todas as ilhas, pelo que o governo de Lisboa programou o envio
das primeiras levas de cabo-verdianos para as roças de São Tomé. Mesmo assim, os três primeiros anos do Seminário de São Nicolau foram meritórios, pelo que o
governador da província, Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque transformou o seminário em Seminário-Liceu, destinando-o à formação eclesiástica e laica, ali vindo a ser formados alguns dos grandes vultos da cultura cabo-verdiana. A dualidade de instituição laica e religiosa foi uma das suas maiores riquezas, nele se formando ao longo de meio século uma geração única no quadro africano, como a geração romântica caboverdiana dos séculos XIX-XX e, na sua sequência, os elementos do movimento da Claridade.

O Seminário-Liceu veio a ser instalado na residência do importante proprietário
Dr. Júlio José Dias, médico formado na Sorbonne, em Paris e autor de uma tese ali
publicada, a primeira obra de literatura francófona de Cabo Verde: Essai sur La Lithotritie, 1830. Homem de uma grande generosidade, raramente se fazendo pagar pelas suas consultas, que dirigiu e pagou o cais da Preguiça, veio a deixar a sua residência e jardins para a instalação do Seminário-Liceu. Em 1884, a Ribeira Brava reconhecida, elevou o seu busto numa alta coluna na praça que ainda hoje tem o seu nome.

A Lei das Separações do ministro Afonso Costa, no início da República, em
1911, ditou o encerramento da maioria dos Seminários em Portugal, incluindo o de São
José, na ilha de São Nicolau. No entanto, o mesmo ainda funcionou até 1917, altura em
que foi transformado em Liceu e transferido para a cidade do Mindelo, na Ilha de São
Vicente. A igreja criou, em alternativa, um instituto que funcionou de forma precária até 1931, altura em que o governo da ditadura de Salazar o mandou fechar, para ali transferindo os elementos da Revolta da Madeira desse ano, que pouco depois
transferiu para o Tarrafal da mesma ilha de São Nicolau. Alguns desses elementos
haveriam de permanecer em São Nicolau, como o tenente Pélico, que fundaria depois
uma sociedade de pescas e o tenente médico Camões, cuja dedicação a São Nicolau e a
sua repulsa pela ditadura se tornaram lendárias.

O liceu Infante Dom Henrique, herdeiro do Seminário de São Nicolau, na
cidade do Mindelo, foi também um importante centro de formação de quadros no
arquipélago e motor do importante movimento intelectual e literário, que foi o
Movimento Claridade, nascido em 1935, onde alguns elementos eram professores.
Houve, entretanto, uma tentativa do seu encerramento em 1935, mas continuou em 1936,
com a denominação de Liceu Gil Eanes até 1975, data em que novamente mudou de
nome, então para Ludgero Lima e, depois, Jorge Barbosa.

Após a Concordata de 1940, o bispo D. José Colaço instalou na cidade da Praia, na Ponta Temerosa e nas instalações do antigo Lazareto, o novo Seminário de São José, assumindo-se como herdeiro espiritual do antigo Seminário da Ribeira Brava de São Nicolau.

O Seminário de São Nicolau deu um grande impulso na formação de professores
primários. Registe-se que nos alvores do século XX, já existiam escolas de primeiras
letras em todas as freguesias do arquipélago, embora em muitas dessas escolas as aulas fossem ministradas pelos próprios párocos, havendo assim uma grande sobreposição entre as escolas paroquiais e as públicas. Tanto o governo da 1.ª República Portuguesa, instalada em 1910, como o Estado Novo, iniciado com a Revolução de 1926, deram importante impulso ao ensino das primeiras letras em Cabo Verde, sobretudo como importante meio promoção da Cultura Portuguesa no arquipélago, mas também no sentido de formar quadros para as restantes colónias portuguesas africanas.

Os programas do Estado Novo tinham por característica básica o forte pendor
ideológico e a supremacia dos padrões da cultura européia, mas apesar disso destacaramse alguns professores primários, que juntaram a função docente com a cultura crioula, até como forma de chegarem melhor aos alunos. Foi assim o caso de Pedro Monteiro Cardoso e Juvenal Cabral, pai de Amílcar Cabral e recorde-se, que a língua crioula foi “formalmente” proibida nos pátios escolares dessa época. Acresce que também as escolas desempenharam um papel importante na preservação nas ilhas de Cabo Verde das manifestações tradicionais de cariz marcadamente africano, embora conotadas de gentílicas, como eram o caso do Batuque a da Tabanca, assim como várias crenças, mas que eram a única maneira de, em lugares recônditos e isolados, se aproximarem dos alunos.

Apesar do pendor ideológico, a escolarização básica promovida durante o regime
colonial, com todas as suas irregularidades e fracassos, foi uma referencia na
consolidação da Cultura Cabo-verdiana, no conhecimento e reconhecimento das
outras ilhas e teve um papel facilitador na circulação dos Cabo-verdianos pelo mundo,
tornando-se um elemento de orgulho crioulo. Por outro lado, o seu pendor ideológico e
autoritário, serviu também para despertar, consolidar e fortalecer uma consciência
nacional e marcar o caminho para a independência.

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